CEOPS

Os problemas de longa data que compreendem o histórico das enchentes sucedidas na Bacia Hidrográfica do Itajaí em Santa Catarina, somado ao processo de degradação do solo foi se construindo junto à história da colonização ocorrida a partir do ano de 1850. Analisar com cuidado todo trâmite na construção de um processo de gerenciamento das águas desta Bacia, remonta aos diversos contextos sócios- econômico-ambiental da região bem como análise de seu molde europeu colonizador.  

A relação homem – natureza levou os habitantes do Vale a uma integração necessária para repensar meios de defesa do ser humano perante as inundações, de maneira que este não faltasse com respeito à integridade das águas. Os conflitos existentes quanto aos recursos hídricos na bacia Hidrográfica do  Itajaí  datam  do  período  de  colonização  do  Vale.  Não se  trata  apenas  de conflitos quanto ao uso ou direitos; mas sim um estudo da bacia Hidrográfica do Itajaí quanto ao seu  formato e estrutura geológica, que apresenta características muito propícias à ocorrência de enchentes. Com os primeiros eventos registrados após 1850, diversas propostas para a contenção das águas  foram  feitas. Algumas colocadas em prática, outras não.

O desgaste do solo, a extinção da mata ciliar, a maior poluição resultante do desenvolvimento e crescimento do Vale do Itajaí, as problemáticas envolvendo os recursos hídricos passaram a se agravar. Através de inúmeras discussões frente a  estes  agravantes  ambientais  da  bacia  do  Itajaí  desencadeou-se  um processo  de  mobilização  envolvendo  órgãos  públicos  e  governamentais, pesquisadores e toda sociedade que sofria com as conseqüências das cheias.

No  período  da  última  grande  enchente  ocorrida  na  bacia  do  Itajaí,  na década de 80, houve uma reviravolta no cenário político nacional. Devido o  forte processo  de  urbanização  dos  grandes  centros  e  capitais,  o  Brasil  começava  a refletir sobre o estado desgastado que se apresentavam os recursos naturais.

Para compreender as etapas que remontam todo cenário relativo as águas da Bacia Hidrografica do Rio Itajaí, se faz necessario retornar a época em que inicia-se a ocupação colonizadora da regiao.

O povoamento das terras que permeiam o rio Itajaí data da terceira década do século XIX, quando ocorre a instalação de algumas sesmarias através do Governo Imperial, localizadas as margens do Itajaí-Açú e nas margens do Itajaí - Mirim (SEYFERTH, 1974).

A efetiva ocupação das terras que permeiam a bacia do Itajai, tem seu marco com a fundação da Colonia Blumenau no ano de 1850. A partir desta data inicia-se a chegadoa à regiao do Vale do Itajai, dispersando  os assentamentos dos colonizadores. A principio  a localização dos primeiros assentamentos serem entre os afluentes Garcia e Velha, eram assim facilitar a navegação pelo rio, na falta das estradas. Servindo as águas como ponto de chegada de mantimentos e saída de mercadorias. Porém esta ocupação nao planejada, em territorio desconhecido pelos imigrantes, provocou uma ocupação de encostas e zonas ribeirinhas, aumentando o contingente da população em áreas de risco.

A história de Blumenau pode ser pautada sob a ótica das enchentes. Desde o período inicial da colonização já se contabilizam mais de 60 cheias. Sendo que grande parte das funções vitais da cidade, concentra-se em áreas inundáveis, bem como inúmeras construções residenciais. O que leva a região de Blumenau ser tão propicia a esses azares ambientais, cabe ressaltar:

  • Influências geoambientais do sitio onde se assenta a cidade;
  • Condicionantes históricos como o modelo colonizador implantado pelos europeus;
  • Características sócio-econômico-culturais da cidade.

Frank (1995) relata que várias foram as propostas para solucionar o principal problema enfrentado pelo Vale, as freqüentes cheias: muros de arrimo, canal de desvio, construção de barragens e inclusive, foi cogitada a possibilidade de transferir o centro da cidade de Blumenau para outro local.

O muro de arrimo, que na verdade não era uma obra de contenção de cheias, mas sim, de proteção da margem direita no centro da cidade de Blumenau, foi construído na década de 60 pelo governo do Estado e é conhecido hoje como a Avenida Beira Rio (Av. Castello Branco). Quanto ao canal, embora a discussão perdurasse por alguns anos, a idéia foi finalmente abandonada.

O antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento- DNOS, foi criado em 1940 pelo presidente Getulio Vargas, durante o regime do Estado Novo. Com a ascensão de João Goulart a presidente do Brasil, o órgão foi transformado em 1962, em autarquia com a função precisamente de ampliar obras e serviços integrantes ao saneamento básico. Ao DNOS, deve-se inúmeras obras de infra-estrutura arquitetadas para a contenção de enchentes, canalização de córregos e drenagens, sendo impossível elencar todos os avanços que esse departamento acarretou, principalmente quanto a ampliação e desenvolvimento  da tecnologia em diversas áreas.

O DNOS, deu inicio a implementação de obras hidráulicas de usos múltiplos, notadamente de barragens que têm como funções controlar enchentes e fornecer água para abastecimento público e para irrigação. Com ele, nasceu e cresceu, no Brasil, a idéia de se valorizar o solo urbano e rural mediante a melhoria de suas condições de salubridade e de uso. Cabe ressaltar que o DNOS, como autarquia, esteve vinculado ao Ministério do Interior e seus sucedâneos, cuja missão institucional era praticamente a mesma do Ministério da Integração Nacional.

Extinto em 1990, juntamente com várias outras instituições, o DNOS deixou um enorme vácuo em termos da atuação do Poder Público. Com sua extinção, perderam-se, inclusive, vários contratos e convênios com instituições internacionais de financiamento e fomento ao desenvolvimento. Também se perdeu enorme acervo técnico e extinguiu-se uma insubstituível força geradora de desenvolvimento social e econômico em nosso País.

A descontinuidade das ações que eram desenvolvidas pelo DNOS tem sido catastrófica para o Brasil. Basta ver a amplitude e os efeitos das enchentes, resultantes, em boa medida, da ausência de serviços de dragagem de rios como o Tietê e o  Itajaí, da ênfase na macro drenagem e do controle de erosão dos solos nas áreas urbanas e em seus entornos. Os prejuízos e o sofrimento imposto à população, a cada ano, superam, de muito, a eventual economia financeira feita com a extinção daquela autarquia. O sistema de contenção de cheias do Vale do Itajaí, composto pelas três barragens e foi desenvolvido a partir de 1959 pelo DNOS, sendo elas:

• A Barragem Oeste, localizada acima da cidade de Taió, com obras iniciadas em 1964 e concluídas em 1973; tendo capacidade de 83 milhões de metros cúbicos.

• A Barragem Sul, iniciada em 1966 foi concluída em 1975, localizada na cidade de Ituporanga, com capacidade de 93 milhões de metros cúbicos.

• Barragem Norte iniciada em 1976 e concluída apenas em 1992, com capacidade projetada para de represar 253 milhões de metros cúbicos, porem com as cheias sofridas ao longo do período de construção, fez com que se alterasse o projeto para capacidade  de  357  milhões  de  metros cúbicos.

           Em 1990, após a extinção deste órgão, ficou a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Regional - SDR, posteriormente absorvida pelo Ministério da  Integração  Regional  - MIR. A extinção do MIR em 1994 gerou uma descontinuidade séria nas atividades de contenção de cheias.

 Mattedi (1999) relata que o tratamento das situações de emergência a partir da perspectiva ambiental redefiniu a gestão política do problema das enchentes. Quando as situações de emergência eram tratadas de forma segmentada como um fenômeno episódico produzido pela natureza, somente recebiam atenção durante os dias de crise.

 Frank (2008) esclarece que a noção de soluções fantásticas não é o mesmo que noção de gestão:

                                                     “à medida que se foi percebendo que essas soluções fantásticas não existem, se conseguiu perceber que é necessário ficar cuidando disso. Ficar cuidando significa ficar o tempo todo negociando, buscando, compensar algumas coisas poucas. Então isso começa na década de, mais concretamente, na década de oitenta, ou seja, posterior a enchente de oitenta e três e oitenta e quatro”.

                                                                                      Frank, Beate. Blumenau. 2008.

Seguido ao evento de 1983, que atingiu a cota de 15 m e 34 cm, a Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB cria o Projeto Crise, tendo objetivo de desenvolver e implantar um sistema de alerta da bacia do rio Itajaí-Açu, com algumas horas de antecedência, bem como definir procedimentos operacionais ás obras hidráulicas existentes.  O Crise consistia em um conjugado de subprojetos que envolvia as áreas de Meteorologia, Hidrologia, Cartografia e Pesquisa Operacional, objetivando amenizar os impactos causados pelas cheias no Vale do Itajaí.

Em virtude dos desastres ocasionados pelas grandes cheias de 1983 e 1984, passam a se desenvolverem ações frente à problemática das enchentes, visando pesquisar e  propor medidas não-estruturais para sanar os impactos.

Em 1984 é instalado por intermédio do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), o CEOPS – Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia do Itajaí, que veio sendo gerenciado pelo então Projeto Crise, coordenado pela Universidade Regional de Blumenau. O Crise almejava medidas não-estruturais, quais se caracterizam por todos os tipos de intervenções que poderiam ser tomadas de maneira a proporcionar um convívio com as enchentes, reduzindo o impacto e suas conseqüências. O CEOPS seria a contrapartida, atuando com as medidas estruturais e os planos de ação e estratégias.

A tensão que permeia um evento crítico se caracteriza por um episódio inesperado com potencialidade para gerar estragos expressivos a uma sociedade e, portanto, aos membros que constituem esta. Os focos principais de uma estratégia de gerenciar um evento crítico são suas configurações frente ao desvio da normalidade para o estado de emergência.

A criação de planos estratégicos e métodos detalhados para que ocorra uma manutenção de prevenção dos eventos críticos, com certeza podem antecipar a identificação de ocorrências ou eventos que possam precaver toda uma sociedade desses episódios atípicos.

No entanto, para que as situações de emergências possam ser previstas e gerenciadas, é necessário nestes momentos de crise, que os Planos de Ação e os encargos de cada um, sejam detalhadamente descritos e definidos, para que a ocorrência normal da operação tenha êxito e, como resultado final, a ocorrência do mínimo de danos a sociedade civil.

Referências

FRANK, B. Uma abordagem para o gerenciamento ambiental da bacia Hidrográfica do rio Itajaí, com ênfase no problema das enchentes. Florianópolis 1995. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) Universidade Federal de Santa Catarina.

FRANK, B. O processo de criação do Comitê do Itajaí: depoimento.15 de maio de 2008. Entrevista concedida a Carolina F. M. da Luz.

SEYFERTH, G. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí - mirim: um estudo de desenvolvimento econômico. Porto Alegre: Movimento,1974.

MATTEDI, Marcos A. As enchentes como tragédias anunciadas: impactos  da problemática ambiental nas situações de emergência em  Santa Catarina. Tese (Doutorado  em Geografia)  -  Instituto de Filosofia  e Ciências Humanas da UNICAMP, Campinas, 1999.